Estética define sucesso no telejornalismo, em especial das mulheres

Colagem com imagens de revista que mostram o rosto de uma mulher sendo desconfigurado por costuras, desenhos, agulhas e cortes, representanto a busca por um ideal estético.
Colagem "Am I Pretty Now?", VSCO

É senso comum dizer que na televisão só trabalham pessoas bonitas. Uma afirmação que não corresponde à realidade e pode ser desmembrada em questionamentos filosóficos sobre o que é a beleza. As pesquisas e os relatos de profissionais apontam, no entanto, que profissionalismo e talento não bastam para uma contratação e permanência em cargos de repórter ou apresentador. 

E as exigências por um padrão estético não são exclusivas do campo do jornalismo. Muitas empresas possuem regras explícitas de vestuário e aparência para seus funcionários. Outras regras não são tão claras, mas influenciam o destino profissional — tatuagens e cabelo colorido, por exemplo, costumam ser listados por profissionais de gestão de recursos humanos como algo “mal visto”. Pessoas que possuem corpos, etnias, e identidade de gênero que não são a tida como “padrão” sofrem mais para serem contratadas, por um preconceito que não é apenas estético. 

De acordo com a jornalista Elânia Francisca (2021): “A pressão estética está relacionada à pressão social para que as pessoas se adequem, a todo custo, aos padrões de beleza, e afeta as pessoas de formas diferentes, dependendo de sua identidade de gênero, deficiência, raça e etnia e classe social”. Ela pode ser sofrida de forma indireta, quando o indivíduo busca consciente ou inconscientemente atingir aos padrões estéticos, ou de forma direta, quando há uma exigência externa para essa padronização.

É o caso do telejornalismo. Os jornalistas que atuam no noticiário televisivo, como apresentadores e repórteres, não são apenas profissionais da comunicação, mas são “o rosto” da empresa. São selecionados para trabalhar na TV apenas quem atende a um certo padrão, e os repórteres devem continuar atendendo a essas expectativas estéticas após a contratação. Para esses profissionais engordar, ter algum ferimento exposto, ou uma simples espinha pode prejudicar a sua posição no trabalho.

Alguns casos de pressão estética sofrida por apresentadores e repórteres foram relatados pelas vítimas. No ano passado, a jornalista Marcela Mesquita foi demitida da TV Vanguarda, onde trabalhava como apresentadora, assim que retornou da licença maternidade. Em suas redes sociais, a jornalista disse que foi demitida por excesso de peso. Não foi a primeira vez que a TV teria pedido para Mesquita emagrecer. Ela ficou  afastada da TV entre 2017 e 2020, e só conseguiu retornar após perder 15 quilos. “Na época, fui informada pela chefe de redação, Terezinha Almeida, que a direção tinha decidido me afastar porque eu estava 'fora do padrão', 'acima do peso'. Foram esses os termos que usaram”, disse a jornalista na época. No entanto, com o peso ganho durante a gestação, Mesquita foi demitida após 12 anos na emissora. No mês passado, ela venceu uma ação trabalhista contra a Rede Globo, e receberá R$ 500 mil de indenização por gordofobia.

Em entrevista ao programa “Tudo Posso”, a jornalista Mariana Godoy falou abertamente sobre a pressão estética que sofreu quando trabalhava para a Rede Globo. Segundo ela, certa vez, uma diretora exigiu que ela fizesse uma dieta: “Você está muito gorda. Precisa emagrecer”, teria dito a então chefe.

Em levantamento realizado com jornalistas da televisão brasileira, todos afirmaram que consideram-se pressionados (as) em relação à beleza. Quase todas as mulheres entrevistadas (10) e mais da metade dos homens entrevistados (8), disseram que já se submeteram a cirurgias e/ou tratamentos motivados pelo trabalho em que estão. 


Cirurgias plásticas

Para a economia, a pressão estética é um mercado milionário. O Brasil é o segundo país do mundo com maior realização de cirurgias plásticas. Só em 2020, foram 1.306.962. A lipoaspiração, associada a gordofobia, e a prótese mamária são os procedimentos mais populares. Indústrias como cosméticos, vestuário e farmacêutica também exploram inseguranças relacionadas à pressão estética para comercializar produtos. 

A pressão estética se apresenta, na maioria das vezes, como um preconceito. A gordofobia é um desses preconceitos, e dificulta a inserção de pessoas gordas no mercado de trabalho, o acesso a vestuário, transporte, entre outros obstáculos. Do ponto de vista da saúde, a discriminação provoca distúrbios alimentares, como bulimia e anorexia, e mentais, como a depressão. 


Sexismo

Independente da profissão, a pressão estética afeta mais as mulheres, que enfrentam não apenas os ideais de beleza, mas uma cultura patriarcal que valoriza mais a beleza da mulher do que suas qualidades. Uma pesquisa do Projeto Global de Monitoramento de Mídia, realizada em 2015, comprova a jovialidade das mulheres que trabalham na televisão. 53% dos homens pesquisados tinham entre 35 e 49 anos. Já a faixa etária de 43% das mulheres pesquisadas estava entre 19 e 34 anos, apenas 14% dos homens tinham essa idade.

O levantamento citado anteriormente, mostrou que, entre 64 jornalistas de televisão avaliadas, 92,2% são brancas, 62,5% são magras, 32,8% possuem corpo médio, 84,4% têm cabelo liso, 14,1% possuem cabelo ondulado e 64,1% não tem rugas. O perfil da jornalista televisiva é, neste cenário, uma mulher branca, magra, jovem e de cabelos castanhos e lisos. 

Entre os traços faciais mais valorizados, estão o nariz médio (44%), lábios médios (42%) e rosto oval (26%). Nariz largo apareceu apenas em 5 jornalistas, enquanto lábios grossos não apareceram em nenhuma. Quanto à maquiagem, de 64 mulheres, foi possível perceber em 62 delas a pele uniformizada com maquiagem – base, corretivo, pó, entre outros –, 62 usavam rímel, 39 delineador nos olhos, 34 sombra neutra. Além de trazerem ao rosto a pele lisa e livre de imperfeições (espinhas e manchas), esses elementos de maquiagem demonstram uma preocupação com a aparência em frente às câmeras, uma busca por aparentar arrumada e bela, mas sem uso de elementos que chamem muita atenção.

Existem estereótipos reproduzidos no senso comum como o de que a “mulher do tempo” é uma mulher loira de corpo magro, e de que as mulheres da cobertura esportiva são “molecas” e apresentam um estilo masculinizado. No entanto, esses estereótipos não se confirmam em pesquisas. 


Está melhorando?

A tese de mestrado de Mariana Dias (2022) identifica uma percepção dos próprios profissionais de que a pressão estética na televisão tem melhorado com o tempo. A mudança se mostra em coisas simples, como o uso de óculos, antes proibido para repórteres e apresentadores (que utilizavam lentes), e hoje utilizado nos telejornais. Quanto à diversidade, a jornalista Maria Júlia Coutinho,  primeira mulher negra na história a ocupar a bancada do telejornal Hoje, da Rede Globo, costuma ser apontada como sinal de que as coisas estão mudando. No Paraná, Letícia Paris, da RPC, também se tornou um símbolo dos “novos tempos” do jornalismo televisivo pelo visual mais casual. De todo modo, a diversidade e a representatividade presente nos telejornais ainda pode ser contada nos dedos.

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