Em uma aula da universidade, na semana passada, uma pesquisadora afirmou que não existe comunicação (entre alunos e professores) em colégios militares. O exemplo usado foi o Colégio da Polícia Militar do Paraná, localizado no bairro Portão, onde, por acaso, eu estudei por 7 anos consecutivos. Ex-aluna do colégio, filha de professora da rede estadual e, atualmente, estudante de comunicação social, eu tenho que discordar.
Para deixar claro desde o início, eu defendo a existência de colégios militares, mas não acredito que eles sejam a solução dos problemas da educação pública no Brasil, muito menos que seja o único formato de educação válido. Os relatos contidos no texto abaixo são referentes à minha experiência no colégio citado acima, no período de 2011 a 2018, e não podem ser aplicados a todos os colégios militares ou a outros períodos de tempo.
Policiais no corredor
Eu fui muito feliz no colégio. Ele me proporcionou educação gratuita de qualidade e atividades extracurriculares - fiz espanhol, teatro, coral, natação. A maioria dos professores que tive são civis (não militares) e são pessoas maravilhosas. Tem-se a impressão de que não se ensina pensamento crítico em escola militar, e que os professores são grossos com os alunos, mas nada disso é verdade. Até meus professores militares eram calmos e respeitosos.
Tem-se a impressão de que não se ensina pensamento crítico em escola militar, e que os professores são grossos com os alunos, mas nada disso é verdade.
E, falando dos militares, eles são apenas seres humanos. Os inspetores de pátio eram amigões dos alunos, muitas vezes sendo escolhidos para apadrinhar turmas. O diretor do colégio na época, Marcelo Toniolo, é um homem incrível, inteligente e empático. Claro que um ou outro profissional abusava da sua posição na hierarquia, mas acredito que não é só no meio militar que existe esse tipo de pessoa.
E eu nunca me senti oprimida no colégio. Eu sempre fui ouvida. Quando sofri bullying, fui ouvida, quando sofri com machismo, fui ouvida e quando tive ideias para melhorar o colégio, também fui ouvida. Dênis Viana, o diretor pedagógico naquele momento, é policial militar com formação em psicologia. Ambas as vezes que eu pedi ajuda para ele - uma sala que eu pudesse usar para o meu grupo de estudos e permissão para fazer uma campanha de setembro amarelo no colégio - ele não só permitiu como me ajudou a realizar os projetos.
Eu sempre fui ouvida. Quando sofri bullying, fui ouvida, quando sofri com machismo, fui ouvida e quando tive ideias para melhorar o colégio, também fui ouvida.
Então, para mim, existe sim comunicação em colégio militar, porque mesmo com a presença de policiais, ele é, no fundo, apenas um colégio. Então por que muitas vezes o colégio é associado com ditadura e alguns alunos têm experiências ruins nele?
Código de vestimenta e conduta
Mais do que a presença de militares nos cargos administrativos do colégio, o que mais diferencia esse modelo educacional da educação pública comum são as regras. Não pode pintar as unhas, usar brincos, tingir o cabelo ou usar um penteado diferente dos permitidos. Os sapatos e as meias têm cores definidas e as fardas são desconfortáveis e têm peças infinitas - boina, biriba, cinto, luva, alamar e assim por diante. Alguns acham essas regras chatas e outros acham ofensivas.
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Foto: 2017 |
Pessoalmente, ter de seguir essas regras nunca me incomodou. São necessárias? Não. Mas era um pequeno preço a se pagar por tudo que o colégio me oferecia e eu não me sentia menos autêntica por causa disso. No entanto, eu entendo que essas regras limitam sim a expressão de alguns alunos e oprimem as suas identidades. E é por isso mesmo que o colégio militar não pode ser o padrão da educação brasileira. Usar farda e marchar não pode ser uma obrigação para todas as crianças e adolescentes.
Essas regras limitam sim a expressão de alguns alunos e oprimem as suas identidades. E é por isso mesmo que o colégio militar não pode ser o padrão da educação brasileira.
Infelizmente, em muitos casos é, tanto por insistência dos pais quanto por falta de opções de educação gratuita de qualidade, como falarei mais adiante. Por que eu defendo a existência de colégios militares então? Porque, acredite ou não, tem alunos que gostam. Tenho muitos amigos que amavam os desfiles, as fardas, e até uns que seguiram carreira militar após a formatura. Eu me diverti também com tudo isso. Se os alunos aprendem e se sentem bem numa estrutura militar, ela é válida. Mas é preciso entender o porquê do colégio funcionar tão bem e, adiantando para vocês, não são os militares.
Colégio militar não faz milagre
Os números de aprovações em vestibulares e notas em testes mostram a excelência dos colégios militares, principalmente quando comparados aos demais colégios públicos. O diferencial do colégio, porém, não é a disciplina, como muitos acreditam. Para começar, há uma prova de admissão. Ao contrário dos demais colégios públicos, eles escolhem quem vai estudar no colégio. E a maioria dos alunos que passam na prova vieram de escolas particulares e famílias de classe média. Não tem como discutir o sucesso desses colégios sem falar de desigualdade social.
A maioria dos alunos que passam na prova vieram de escolas particulares e famílias de classe média. Não tem como discutir o sucesso desses colégios sem falar de desigualdade social.
Poucos têm acesso a um colégio como esse. E por “igual a esse” eu digo “com infraestrutura". É um colégio privilegiado, tem mais investimento nele do que nos colégios estaduais e ainda tem uma enorme ajuda dos pais anualmente que pais de classes mais baixas não podem pagar. O prédio está lindo, tem carteiras para todos os alunos, tem projetor em todas as salas e tem merenda todo dia. O ambiente está sempre limpo e seguro. Quantos colégios estaduais têm as mesmas condições?
Minha mãe deu aula de matemática em colégios estaduais por mais de 20 anos. Quando criança, acompanhei ela no trabalho várias vezes. É o caos, alunos gritando, correndo, sem dar a mínima para aula. Porém, colocar um policial ali dificilmente resolveria o problema. Quando o problema é estar com fome, não ter perspectiva de ascensão social, desistir da escola para trabalhar ou ainda ter uma dificuldade de aprendizado desde a infância, não tem militarização que resolva.
Quando o problema é estar com fome, não ter perspectiva de ascensão social, desistir da escola para trabalhar ou ainda ter uma dificuldade de aprendizado desde a infância, não tem militarização que resolva.
E mesmo na elite dos colégios militares, existem problemas de disciplina. Engana-se quem acredita que todos os alunos são obedientes e ficam quietinhos como nas fotos compartilhadas nas redes sociais. São crianças e adolescentes comuns, há rebeldia, desinteresse, bullying, gravidez na adolescência e abuso de drogas. Não é perfeito. A facilidade é que num primeiro momento os alunos são escolhidos pela prova, e, num segundo momento, aqueles que não se adaptam são expulsos. Imagine que maravilha a vida dos colégios públicos se todos eles pudessem expulsar os alunos que não apresentam o resultado esperado. Mas eles não podem, e é com isso em mente que chegamos ao nosso último tópico.
Abertura de novos colégios
No dia 26 de outubro, o governador Ratinho Júnior anunciou a implantação de um programa militar em 215 colégios do estado do Paraná. Milhares de pais ficaram extasiados com a notícia - agora todas as crianças serão comportadas, não vão responder os pais e passarão em todos os vestibulares! Mas não é bem assim. Como eu disse anteriormente, o colégio não disciplina os rebeldes, apenas seleciona os já obedientes. E o que garante o resultado da educação é o investimento. Os novos colégios anunciados não têm nenhuma dessas duas vantagens.
Pegar um colégio estadual com alunos que estão acostumados a um certo modelo e transformá-lo em um regimento militar parece a receita do desastre. A adaptação desses alunos vai ser muito difícil e eles não terão escolha senão aceitar as normas. Conseguir vaga em outro colégio estadual é difícil e às vezes não é possível para a família (pela distância da casa, por exemplo). E, pelo número de colégios propostos no decreto, será muito difícil que todos recebam o orçamento que o meu teve.
Pegar um colégio estadual com alunos que estão acostumados ao outro modelo e reorganizá-lo como militar parece a receita do desastre.
O problema é não existir outra opção. Não há colégio gratuito de qualidade sem ser militar. Os institutos federais só oferecem vagas de ensino médio e também realizam provas de admissão. E isso é errado. Abrir novos colégios militares é bom, mas fazer isso ao invés de investir esse dinheiro na educação pública como um todo, é muito errado. A priorização do ensino militar em detrimento do ensino público é ruim. Todo aluno deve ter o direito de escolha entre se submeter ao sistema ou não. Um colégio em que só use coque e um colégio em que possa usar o seu cabelo como quiser, ambos com qualidade de ensino. Enquanto não tivermos isso, a realidade da educação brasileira não mudará, independente de quantos alunos fardados o país tenha.
Excelente! Perfeito ❤
ResponderExcluirObrigada! Seu apoio é muito importante.
ExcluirEu concordo contigo em todos os pontos, seu depoimento está condizente com a minha experiência como aluna dentro do CPM. Além disso, você foi muito realista quanto a abertura de novos colégios e ao citar toda uma problemática educacional antiga, social e institucional que não se resolveria do dia para a noite l.
ResponderExcluirObrigada! Quem viveu sabe que o colégio é ótimo mas não podemos colocá-lo em um pedestal.
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