‘Boa Noite, e Boa Sorte’ e a caça às bruxas comunista

Indicado a sete oscars, o filme mostra os bastidores de um telejornal durante a Guerra Fria

Não apenas Edward (âncora) enfrentou os riscos, como toda a equipe do See it Now. Foto: Reprodução


“Boa Noite, e Boa Sorte” (2006), segundo filme dirigido por George Clooney, mostra os bastidores de um telejornal americano da CBS quando decidem enfrentar a “caça às bruxas” do senador Joseph McCarthy. Baseado em fatos reais, o filme se passa no pós 2ª Guerra e início da Guerra Fria, durante o governo de Eisenhower, e escancara o medo sentido pelos jornalistas de serem demitidos, presos, e considerados “traidores da nação” por confrontarem o governo vigente. 

O próprio George Clooney confessou, em entrevista para o Huffpost, em 2012, ser essa a motivação: “Eu escrevi ‘Boa Noite e Boa Sorte’ porque eu estava bravo por ser chamado de traidor do meu país porque eu disse que nós deveríamos fazer perguntas antes de enviar pessoas para a guerra, e eu encontrei um jeito de expressar isso através do cinema.” (Tradução própria).

O longa é em preto e branco do começo ao fim, reforçando o interesse na televisão como meio. O protagonista é Ed Murrow (David Strathairn), um jornalista norte-americano que ficou conhecido pela cobertura radiofônica da segunda guerra, e depois passou a apresentar o programa “See it now”, da CBS, contemplado pelo filme.

Ele apresenta duas reportagens contrárias ao governo ao longo do filme: a primeira falava sobre um soldado americano que foi considerado ‘comunista’, expulso do exército e passível de ser preso sem quaisquer evidências (além de um envelope ultrassecreto que ninguém sabia o que continha); a segunda recortava falas do senador em que ele dizia que a luta contra o comunismo não podia se tornar a luta contra todos os contrários (e foi justamente o que aconteceu). Não sem danos para os envolvidos, é claro. Anunciantes foram perdidos, um jornalista foi perdido pelo caminho, e o próprio protagonista sofreu as consequências do seu trabalho. 

Como um bom jornalista que ouve os dois lados, Murrow abre espaço para o senador responder, se quiser, e este aproveita para descredibilizar o jornalista e - claro - acusá-lo de ser comunista. Nos trechos em que aparece o senador, o filme utiliza imagens reais da época de forma muito inteligente. McCarthy também é carimbado no premiado documentário “Hollywood on Trial”, e no filme mais recente “Onde está meu conselheiro?” (2019). 

“Boa Noite, e Boa Sorte”, indicado ao Oscar de Melhor Roteiro, consegue, em pouco tempo (1h33min), introduzir bem personagens que corroboram para a narrativa. O produtor Fred Friendly (George Clooney), presente nas escolhas editoriais e importante na checagem dos fatos; o dono da emissora, William Paley (Frank Langella), que afirma não ter censurado reportagem alguma, apesar do próprio Murrow dizer que “não proibir e não censurar são coisas diferentes”; e Sig Mickelson, interpretado por Jeff Daniels  — que ironicamente estrela a série “The Newsroom” onde ele próprio é o âncora — que cumpre um papel de administrador, alertando dos riscos e gerenciando o pessoal.

Em contrapartida, aparecem outros personagens e figurantes não tão bem introduzidos. O âncora de um jornal correlato, Don Hollenbeck (Ray Wise), que passava por problemas pessoais, e um par de atores conhecidos, Patricia Clarkson e Robert Downey Jr., indicados ao Oscar por outros filmes, aparecem como Shirlei e Joseph, que meramente trocam olhares e são cúmplices de um segredo. 

O desperdício desses personagens no roteiro é nítido, e infeliz considerando que Shirlei é a única personagem feminina que possui um nome no filme todo. Patricia Clarkson, assim como Diane Reeves, que interpreta a cantora da emissora e contempla o longa com belíssimas performances de jazz, aparece muito pouco e não tem mais de 2 minutos de tela. Considerando que o filme remete aos anos 50, a ausência de mulheres  na redação (com exceção de secretárias, ajudantes) é justificável, o que não a torna menos incômoda. 

O filme adota um tom otimista em alguns momentos em que mostra os efeitos gerados por essas reportagens na mídia — constantemente é mencionado o jornalista Jack Gould, do The New York Times, que expressava apoio às reportagens da CBS — e no próprio governo. Assim, a trama não só traz uma mídia combativa, mas o impacto da televisão como um meio de grande influência na época e na atualidade.

Em uma cena do filme, Murrow afirma que a TV deve informar e incomodar, e não apenas entreter e conformar. O âncora defende um jornalismo sério, e torce para que o dono da emissora esteja errado quando diz que “as pessoas não têm interesse em uma aula cívica, elas querem se divertir''. Se isso for verdade, diz Murrow, a TV será apenas uma caixa vazia com cabos, e logo se tornará obsoleta. A desesperança com a política, com o jornalismo, com o futuro da televisão, é expressada no próprio jargão do âncora, que, além de dar boa noite, encerra sempre com um “boa sorte”. 


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