Documentário “Coded Bias” e a vida por plataformas

"Coded Bias" é um documentário sobre a desigualdade racial e social dos algoritmos de inteligência artificial. Imagem: Netflix/ Reprodução


“Coded Bias” me assustou um pouco. O fato da publicidade ser direcionada de acordo com os nossos gostos e necessidades, tratado no documentário “Dilema das Redes”, não era novidade, mas eu desconhecia os algoritmos de RH (utilizados para contratar e demitir pessoas) e bancários (para decidir se a pessoa 'merece' ou não empréstimos e financiamentos). Talvez porque aos meus vinte e poucos anos não tive contato com eles ainda.

Ano passado, com a pandemia, mantive um relacionamento a distância, no qual praticamente todos os contatos aconteciam por meio do Whatsapp. Chats, chamadas de vídeo e fotos tornaram-se procedimentos diários para conversar. Eu em Curitiba e ele no interior, as chamadas sofriam com o delay, e as risadas vinham quando o assunto já tinha trocado. Quando tentávamos assistir filmes simultaneamente, por vezes recebíamos spoilers.

Agora, de volta ao trabalho presencial e ao namoro presencial, as plataformas estão menos presentes, com exceção da Universidade. Curiosamente, utilizamos o Teams como nuvem compartilhada onde eu trabalho, e quando sobra um tempinho do expediente para fazer atividades do curso, preciso deslogar do Teams utilizado para o trabalho e entrar no Teams @ufpr. Quase como se houvesse uma distância física entre trabalho e faculdade, quando tudo está em um mesmo computador.

Na metade deste ano, dirigia até o estágio, 7 km. Não era a melhor motorista, então minha mãe e meu namorado sempre perguntavam se eu havia chegado viva. Um dia olhei a notificação do WhatsApp: “Você chegou?”, perguntou o namorado. Então apareceram as respostas prontas, em uma delas “cheguei sim, amor”. Foi a primeira vez que essa função apareceu para mim. Fiquei chocada “como eles sabem que a gente namora??”, mas depois me tranquilizei quando vi que várias respostas prontas do WhatsApp vem com “amor”, independente  de com quem é a conversa. Deve ser algo comum.

Os algoritmos preveem o futuro. Faz tempo que o Gmail tem respostas prontas, você digita “enviei” e já aparece o “em anexo”. É uma função estatística simples, e bem prática. Mas como isso resume a nossa comunicação como seres humanos? Virei a boneca topo de linha que eu tanto queria quando era criança — tinha 200 falas programadas. 

A probabilidade também aparece nas buscas. Ciente de que eu vou ver a previsão do tempo para descobrir o que vestir nesta cidade de extremos, “tempo Curitiba” aparece sempre no topo do meu histórico de pesquisa, mesmo não sendo a última coisa que eu pesquisei. Quando estou assistindo uma série, às vezes duas letras bastam para o Google Search entender que quero pesquisar um ator ou personagem. Recém-habilitada, estou sempre com a localização ligada para usar o Maps, e o aplicativo gentilmente me manda um relatório mensal de por onde estive. 

Não costumo me incomodar com isso. É tudo tão prático, útil. Eu gosto que me mostrem promoções exatamente daquilo que eu precisava comprar. Mas me preocupo com o impacto dos algoritmos sobre o que é ser humano. Afinal, se os algoritmos são invisíveis, como propõe o documentário, quantas ruas eu não passei porque o GPS não sugeriu, quantas roupas eu não usei por causa da previsão do tempo, quantas vagas de estágio eu não tentei porque o post ou a notícia não apareceu para mim? Quantas eu tentei só porque apareceu? 

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