“In Wonder”, documentário do Shawn Mendes, e a retratação do show cancelado de São Paulo

Sobre o show cancelado

Logo fará um ano e eu lembro como se fosse ontem. Minha irmã e eu chegamos no Allianz Parque, no dia 30 de novembro de 2019, depois de passar horas procurando a origem da fila para o show do Shawn Mendes — só para descobrir que o nosso lugar estava a oito quadras de distância. Eu nunca tinha visto tanta gente. Todo o horizonte era Shawn Mendes: camisetas, bottons, bandeiras e faixas eram vendidos desde a estação de metrô até o estádio. Nós ficamos uma hora esperando na fila, no caso, uma hora depois do que os portões deveriam ter aberto.

Estávamos tão longe que a notícia não chegou. Alguns vendedores ambulantes passaram falando “foi cancelado! foi cancelado!”, mas ninguém quis acreditar. Mães mantiveram-se firmes: “eles só querem que a gente largue a fila!”. E então veio a publicação nos stories do Instagram, sem explicar muita coisa, mas tornando o cancelamento definitivo. Era aquilo, acabou ali. Voltando à estação de metrô, vi milhares de pessoas nas calçadas chorando. Eu estava incrédula demais para chorar, tamanho o meu azar. Ele havia feito show naquele mesmo estádio no dia anterior, e outro no Rio na mesma semana. Mas aquele não. Fez 103 shows na turnê. Mas aquele não. 

Minutos antes de ficar sabendo. As faixas de 
"Shawn Mendes, eu fui" tornaram-se uma piada amarga.

Não acompanhei mais o Shawn Mendes, mas fiquei sabendo do lançamento do seu documentário “In Wonder”, da Netflix. E quando soube que o show cancelado aparecia, eu tive que assistir. Afinal, eu estava lá. 

Resenha do documentário In Wonder (sem spoilers)

O documentário acompanha a terceira turnê do cantor, mas o foco são os bastidores e não os shows em si. É um diário do Shawn Mendes e fará muitos fãs felizes — dá para conhecer a família e os amigos do cantor e, de quebra, ver o namoro com a Camila Cabello. Sobre isso, parece que o documentário se esforçou demais para dar veracidade ao casal, julgado por muitos da mídia como “golpe de marketing” para promover a música Señorita.A cantora ganha muito tempo de tela no documentário, que não parece ter um objetivo definido — é uma junção de cenas.

Poucas cenas são realmente importantes, e essas você encontra no trailer. Falo tranquilamente que quem viu o trailer do documentário pode dizer que assistiu ao documentário inteiro. As primeiras cenas trazem um Shawn Mendes sem voz, e então volta três meses e mostra o que acarretou naquele momento. O esgotamento vocal do Shawn Mendes é a tensão da trama, mas não foi desenvolvida muito bem (não explicarei para não dar spoilers) e não conseguiu carregar o documentário.

Apesar das cenas genuínas com os amigos e a família, e também cenas muito boas do cantor produzindo suas canções, “In Wonder” não demonstra a profundidade que promete nas divulgações. O sofrimento do cantor sempre abre espaço para uma cena otimista, e não vemos Shawn Mendes extravasando ou sentindo raiva e ansiedade. Ele é o príncipe encantado o tempo todo, ou, como ele mesmo diz “o super-homem”. Com certeza "In Wonder" estará na lista de todos os fãs, mas para as demais pessoas, ele se tornou desnecessário, e talvez fizesse mais sentido em outro momento da carreira do cantor.

E a retratação do cancelamento do show?

 

[SPOILER ALERT]

A partir daqui existirão detalhes sobre o documentário. 

As cenas gravadas no Brasil me deixaram dividida. Por um lado, eu genuinamente acredito que o cantor estava muito mal para cantar. São tantas cenas de rouquidão que o documentário parece um trabalhoso discurso de relações públicas para justificar o cancelamento. Por outro, o documentário não se preocupa com outras questões mal resolvidas naquele dia — talvez por não ter escutado os fãs, alguns com processos abertos na justiça até hoje. 

O documentário mostra que desde a manhã do dia 30 discutia-se a possibilidade de cancelar o show. O anúncio, no entanto, veio uma hora depois que os portões deveriam ter aberto. Todo mundo estava lá. E então teve a devolução do dinheiro. Minha irmã e eu fomos duas entre muitas pessoas que não moram em São Paulo e gastaram muito mais do que o valor do ingresso para estar lá. Eu até aproveitei a minha viagem, fiquei três dias na cidade e passei a Black Friday na Rua 25 de Março. Mas muita gente gastou tudo o que tinha com voo e hotel, e a devolução do valor do ingresso jamais resolverá isso. 

Várias ideias passaram na minha cabeça naquele dia. Ele não podia ir na porta do estádio dar oi? Deixar todo mundo entrar no estádio e tocar só o violão? Eu queria ao menos ter visto o show de abertura do Lagum. E então veio a indignação com o show que de fato aconteceu. O show feito no dia anterior era um show extra, anunciado depois, e não estava esgotado. Enquanto isso, os fãs que já tinham enfrentado fila para comprar os ingressos para o primeiro show anunciado (e até aquele momento único), não passaram da porta do estádio. 

Não existiu pedido de desculpas. Mostraram que não tinha alternativa, mostravam que o cantor estava mal, mas não pediram desculpas. Achei insensível as falas da equipe do Shawn Mendes: “Não vale a pena perder os próximos 11 shows da turnê por esse”. Conheço 40.000 pessoas que discordam. De toda forma, ao menos não tentaram abafar o caso, e inclusive deram bastante atenção ao cancelamento. Apenas por isso, digo que me sinto melhor depois de assistir ao documentário do que me senti naquela fila assistindo as pessoas irem embora.